E tudo sempre se resumiu em Capitu... Mesmo sem seus olhos de ressaca, olhos de cigana oblíqua e dissimulada, mesmo tendo olhos apenas carregados de uma tristeza disforme, sempre tive ares de Capitu.
Ares de quem não abaixa a cabeça, de quem defende o que pensa, o que quer. E mesmo antes de conhecê-la, sem saber de sua história de amor mal acabada, já sentia sua ambição em minhas veias, suas ideias e seus ideais querendo brotar em mim.
E é ela que me guia, que me impulsiona pra frente. É nela que se encontra a minha determinação e a minha coragem. A minha força para dizer “não”. Porque se eu nasci graças a Drummond, hoje sou o que sou pelas mãos delicadas e astutas de Capitu.
Porque, mesmo depois de cem anos, Capitu é o que dá vida ao eterno mistério de sua obra, dá pauta a todas as discussões e é ela quem mais arrebanha seguidores e defensores com o passar dos anos.
Capitu não é o espírito do feminismo, eu não a chamaria assim. Ela tem a garra das mulheres que lutam por amor, das mulheres que mesmo realizadas e donas de suas próprias vidas sonham com o amor.
Tudo em mim se resume à Capitu. Minha ironia, meu pensamento, meu discernimento. Vejo em minhas mãos, gestos de Capitu; em minha boca, suas palavras. Tento incansavelmente imitar o lampejo de seus olhares. A luminosidade de Capitu.
Mas chega a ser ousadia me comparar à musa do Machado... Porque, se em minha mente eu me moldo à sua imagem, quando me olho no espelho tenho e encarar a realidade de minhas feições sem graça. Quando me vejo despida de sua sabedoria e proteção, quando retorno ao cinzento mundo fora dos livros e dos sonhos é que vejo a diferença entre Capitu e eu: sua vida era cheia de aventuras, de amores proibidos, tramas e intrigas... Era uma vida. Minha vida é parada, como se os dias fossem apenas folhas do calendário, sem ligação nenhuma entre si... Uma vida de papel...
Eu anseio por mais, pelo céu, pelo mundo dos meus sonhos, onde eu sou intensamente feliz, onde eu faço falta, onde as pessoas se importam... Onde eu posso ser eu mesma sem ser mal interpretada.
Quero uma vida de verdade, não quero um príncipe encantado num cavalo branco. Não quero alguém que me dê flores todos os dias ou que me leve pra dançar, não quero metáforas desperdiçadas que descrevam seu amor.
Não quero Bentinho! Não quero seus ciúmes, suas desconfianças, suas criancices! Não quero um amigo de infância que penteie meus cabelos, roube-me beijos inexperientes, que me compre cocadas!
Não quero a felicidade numa garrafa! Se me derem sorte líquida, eu farei bom proveito, mas felicidade? Não é algo garantido! É algo que se constrói! É feito de escolhas!
Será que Bentinho escolheu afastar Capitu? Escolheu ser dela a culpa pelo fracasso próprio? Será que ele escolheu matá-la de amores? Será que a pessoa a quem se confia a felicidade garantida não tomará as decisões do seu sofrimento?
Não quero segurança! Basta um olhar, um sorriso um gesto! Quero os amores impossíveis, os verdadeiros! Não quero conformidade em minha vida! Terminar meus estudos, ter um emprego tranquilo, lecionar, casar, cozinhar e criar... Não! Não quero pequenos “lobinhos” correndo pela casa com suas peles quentes, pegando-me na saia, pedindo colo...
Quero aventura! Quero sentir a excitação e a ansiedade se espalhando por minhas veias, quero o frio na barriga, quero ser beijada até ficar sem ar! Quero alguém que me arrepie com um olhar, não alguém que não me diz nada, que não me faz sentir nada.
Quero o mar agitado que arrastou o nadador da manhã! Quero o delírio e a paixão antes de tudo! Quero fazer o que nasci pra fazer e não me contentar ao que for conveniente!
É dela toda essa lucidez, toda essa certeza do que quero e o que não quero pra mim. É de Capitu... E, se no fim, tudo se resume a ela, talvez enraizado em mim estejam seus sonhos e talvez em mim se encontre a síndrome de Capitu!
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