Recentemente, eu presenciei três cenas que me deixaram muito chateada, todas quando eu estava na Livraria Saraiva, o lugar que eu mais gosto de ir passear.
A primeira delas foi na Saraiva que tem no shopping aqui perto de casa. Eu estava ainda olhando os livros que ficam perto da porta quando vi um menininho de no máximo seis anos se debatendo, tentando escapar da mão da mãe que puxava seu braço na direção da saída, dizendo: "nós já ficamos muito tempo aqui dentro, vamos embora agora". Eu virei para a minha irmã e disse: "quando esse menino for mais velho e não quiser saber de ler, duvido que ela vá se lembrar que é culpa dela".
A segunda cena aconteceu na mesma loja, quando eu admirava distraída os livros de literatura infanto-juvenil, meus preferidos até hoje, e quase fui atropelada por uma garota de uns doze anos que tinha entrado na livraria de
patins. Claro que a culpa não era dela, era da mulher que nem sequer estava segurando a filha pra que ela não caísse ou esbarrasse em nada...
A última cena foi antes de ontem, quando fui ao shopping em Santo André e estava me deleitando no começo das estantes de literatura nacional, porque o resto do corredor estava bloqueado por um carrinho de bebê. Esse não foi o problema, eu tinha achado muito legal aquela mulher com a menininha de colo e o garotinho de uns sete anos na livraria, até que ele mostrou entusiasmado um livro a ela e ter como resposta: "você vai ler isso? Eu não vou gastar dinheiro pra você deixar esse livro largado".
Mais do que como escritora, essas três cenas me estarreceram como pessoa, como uma daquelas crianças que eu também fui, bichinho-de-livro desde que as letras formavam sílabas dentro da minha cabeça!
No meu segundo ano de faculdade, minha professora sugeriu uma atividade de produção de texto que ela disse que dava muito certo pra compreender melhor a estrutura do que produzíamos e produziríamos ao longo do curso. A atividade consistia em fazer uma dissertação, de preferência sobre algum tema que estávamos vendo em qualquer uma das nossas matérias pra termos base argumentativa, numa transparência para que fosse colocada no retroprojetor e analisada pela sala em conjunto.
Como minha grande paixão e motivo de ter decidido pelo curso de Letras foi Literatura, eu decidi escrever sobre a Literatura de Informação composta pelos relatos dos primeiros homens a cruzar o oceano para desbravar o novo mundo, um assunto que eu acho fascinante.
Quando meu texto foi corrigido (anonimamente) e elogiado pela coerência e coesão, levantaram a questão de como construir um texto de qualidade, que recursos contribuiriam e auxiliariam e a resposta da professora foi simples: leitura. Nada além de leitura e em grande quantidade, de preferência. A competência de um escritor era resultado de quantos livros ele tinha lido até então.
Mesmo numa sala de Letras, não eram todos que tinham o hábito de ler por prazer e é o que se vê cada vez mais entre os jovens, os adultos e crianças. Esse hábito não nasce da noite para o dia e nem é despertado à força pelas leituras obrigatórias escolares ou para vestibular.
Posso falar apenas da minha própria experiência, mas o meu gosto pela leitura se desenvolveu principalmente pelo incentivo que eu tive dentro de casa. Desde pequena, sempre vi meus pais lendo muito, meu pai lia o jornal todos os dias por horas, e eu queria imitá-los. Eles assinaram as revistinhas da Turma da Mônica pra mim e elas foram o meu "silabário". Um belo dia, eu não precisava mais dos quadrinhos e apenas as letras me bastaram, nunca abandonei a Mônica, o Cebolinha, a Magali, o Cascão ou toda a turma, mas fui enredada pelos Karas, do meu maior ídolo até hoje, Pedro Bandeira, e não parei mais.
Tão importante quanto o exemplo que eu trazia de casa, minha escola trabalhava a leitura como diversão, sem provas, questionários ou fichamentos, que é o que, na minha humilde opinião, mais mata do que cria o gosto pela leitura dentro da maioria das escolas... Nós nos sentávamos em roda e cada um dizia o que tinha mais gostado no livro que tinha lido, tentando ganhar a curiosidade dos outros pra que também o lessem. Quando eu estava na terceira série (o quarto ano do Ensino Básico de hoje), minha professora levou o catálogo da Editora e nos deixou escolher os livros que leríamos no ano seguinte... Aquela foi uma experiência verdadeiramente maravilhosa! Nós, crianças entre nove e dez anos, analisando sinopses a fio até encontrarmos nosso escolhido! Quanta importância a nossa!
Pais e professores parecem ter esquecido da influência que tem sobre as crianças, parecem ter esquecido que as crianças só fazem aquilo que veem alguém fazendo também, eles repetem e repetem até que se torne um hábito!
Mas, como cobrar de um adolescente que cumpra com suas leituras obrigatórias escolares, quando o arrastou pra fora da livraria, mesmo ele implorando pra ficar mais? Quando negou-lhe o livro que ele se interessou em comprar, afirmando que ele não leria/ Quando não ensinou que livraria não é pra andar de patins, skate, bicicleta, triciclo, patinete...?
Eu sei que comprar livros nesse país é
muito caro! Essa é mais uma contribuição da nossa administração governamental que prefere pagar salários exorbitantes a seus deputados e senadores e até mesmo aos "intelectuais" da Academia Brasileira de Letras do que financiar uma educação (de preferência desde a básica) de qualidade para o futuro do país!
Mas, se por um lado, esses pais não tem condição de comprar todos os livros para seus filhos, por outro, eles têm a opção de, ao invés de ir passear numa livraria de shopping, levá-los à uma biblioteca pública, fazer-lhes a carteirinha e deixá-los lá a manhã inteira, a tarde inteira, as férias inteiras, com todos os livros que tiverem vontade de ler e o gosto que, sem esforço, acabar por nascer!
Sereny Kyle