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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Frozen Trap



Eu poderia me trair se falasse muito aqui hoje... Então, eu vou emprestar a linda dedicatória de "Frozen Heat", de Richard Castle:

"To all the remarkable, maddening, challenging, frustating people who inspire us to do great things"

Eu espero que gostem!

                Eu estava pronto para sair do prédio da gravadora naquela noite, exausto por mais um dia de trabalho que eu tinha estendido além do meu limite, mais uma vez. Fui atrás de Sereny para irmos para casa, já me preparando mentalmente para levar uma bronca monumental, já que era a terceira vez que eu fazia aquilo só nesta semana...
                Mas eu não conseguia evitar... Estávamos com planos de fazer uma nova turnê mundial, os projetos para o novo álbum tinham acabado de sair do papel e eu tinha muitas melodias em mente que queria começar a gravar... Eu me empolgava como um garoto!
                Claro que eu não era mais um garoto, mas a música me contagiava com aquele espírito jovem e livre, me fazendo sempre esquecer da hora de ir embora.
                – Kouyou – eu me virei para quem me chamava e Yutaka não parecia surpreso por me ver lá aquela hora. Na verdade, parecia aliviado.
                – Algum problema, Yuk? – eu caminhei até ele e sua expressão me preocupou ainda mais. Ele estava branco como um fantasma.
                – Venha comigo – ele respondeu, misterioso. – Sereny também está lá.
                Nós caminhamos pelo resto do corredor em silêncio e eu sabia que alguma coisa devia estar muito errada para que ele ainda não tivesse me contado sobre o que se tratava tudo aquilo...
                Entramos na sua sala e Sereny estava ali, com Mariana e Narita-san, nosso empresário, sentado à mesa do baterista diante do computador. Todas as expressões apreensivas me olharam entrar com grande confusão.
                – Mostre a eles, por favor, Narita-san – Yutaka pediu em voz baixa e o outro assentiu. Meu líder trancou a porta com duas voltas e fechou bruscamente as cortinas, ocultando a grande janela de vidro que dava para o corredor, antes de se colocar ao lado de Mariana e entrelaçar braços e mãos aos dela.
                – Há meia hora, eu recebi um e-mail da Examiner Magazine – Narita começou a explicar, enquanto mexia no computador. – Pretendem publicar ainda esta semana e deram a entender que isso é um aviso, não uma negociação...
                Eu me aproximei para ver o anexo do e-mail. Tinha muitas fotos, todas elas de Takanori e Camila, na última vez que minha cunhada tinha vindo ao Japão.
                – Descobriram sobre o relacionamento de Takanori-san e serão... Bem... Serão bastante sensacionalistas – Narita terminou de explicar, passando a última foto.
                – Estão querendo aproveitar que a banda está em alta para venderem revistas – Mariana disse, enojada.
                Meu olhar encontrou com o de Sereny e eu vi a preocupação em seus olhos. Nós temíamos o dia em que aquela história viria a público.
                O relacionamento de Takanori e Camila nada tinha de escandaloso... Não havia problema nenhum de ele namorar alguém de fora da mídia e, como ela morava e estudava do outro lado do mundo, os dois não eram vistos juntos com muita frequência... Mas, nas mãos malignas do editor certo, a diferença de idade entre eles seria um prato cheio para manchar a imagem sempre impecável do vocalista...
                – Com um furo desses, eles vão vender tanta revista que não vai ter dinheiro que possamos oferecer para deixá-los em silêncio. – Yutaka disse, amargurado e eu assenti.
                – Acho que vamos ter de ir lá, quebrar tudo – disse, entredentes e Sereny me olhou, entendendo o que eu queria dizer. Acho que era a primeira vez que ela não levava ao pé da letra uma frase minha daquele jeito. Ou, estava tão desesperada, que me deixaria fazer o que eu quisesse.
                – O quê? – Narita me olhou, ficando branco e depois esverdeado. – Não pode quebrar nada...
                – Eu só estou brincando – revirei os olhos.
                – Acha que pode... – minha namorada segurou meu braço bem firme, ignorando a interrupção do outro. Ela não precisou terminar sua frase para que eu entendesse.
                – Eu te ouvi. É o melhor plano que teremos, eu acho – encolhi os ombros, resistente. – Eu vou entender, se não quiser arriscar... A situação pode ficar pior...
                – Não – ela negou veemente com a cabeça, com um brilho perigoso no olhar que há muito tempo ela não usava... Um brilho gelado... – Faça isso!
                Quando conheci Sereny, ela era uma sombra opaca do que é hoje, comigo... Silenciosa, reclusa e ferida, com tantas cicatrizes fazendo seu espírito arder que era difícil alguém se aproximar dela... Seu sorriso era triste, mas nada era tão marcante quanto aquele olhar... Mesmo devastada, seu olhar era firme e irredutível, uma muralha que impedia os outros de enxergá-la...
                Mesmo que tenha tentado me afastar no começo, foi irresistível continuar para mim... Eu me sentia atraído por seus mistérios, pela habilidade de ela se esquivar e, quando percebi, estava completamente apaixonado por aquela Rainha de Gelo...
                Ainda existia nela as mesmas defesas que ela custava a desarmar, grandes espinhos de gelo, estalactites e estalagmites ao longo do caminho até seu coração, mas nosso tempo juntos tinha curado muitas das cicatrizes de guerra que ela trazia...
                Era a primeira vez em meses desde que ela aceitou ser minha namorada que eu era trazido de novo à presença da Rainha...
                Claro que ela se armaria toda de novo contra a Examiner Magazine! Era a irmã dela que eles estavam ameaçando... Nosso plano era maluco, mas podia dar certo.
                – Acha que podemos falar com eles ainda hoje, Narita-san? – eu perguntei e todos pareceram surpresos, exceto Sereny. Eu fiquei feliz por ela estar assim tão determinada, porque eu não teria forças para nos jogar assim de boa vontade no fogo sozinho.
                – O que pretende fazer? – Yutaka perguntou e até ele parecia apreensivo.
                – Se não aceitam dinheiro, temos de barganhar com outra coisa – eu expliquei, pacientemente.
                – Mas não temos nada a oferecer em troca de uma bomba dessas... – Narita disse, entrando em desespero. – Não há nada que possamos fazer.
                 A mão de Sereny apertou a minha com mais força.
                – Nós não podemos nos entregar – eu disse, deixando aquela firmeza tomar conta de mim. Eu sabia exatamente quem eu precisava ser naquele momento. – Yuk, acho que, como líder da banda, é melhor você vir também...
                – Você tem um plano? – o baterista arregaçou as mangas de sua camisa e colocou seu olhar mais centrado e ameaçador dos dias de fechamento de álbum. Era bom que ele confiasse tanto em mim também.
                Apertei a mão de Sereny.
                – Tenho. Tenho sim.
                Descemos com Narita até o estacionamento e Mariana e Sereny concordaram relutantes em não ficarem nos esperando na gravadora. Entramos no carro, mas nenhum dos dois me perguntou o que eu pretendia e foi melhor assim, tive tempo de elaborar minha estratégia.
                Não me surpreendeu que ainda tinha gente trabalhando àquela hora. Fomos conduzidos à sala de espera e a eletricidade do momento estava fazendo meu corpo vibrar. Pensei que ficaria nervoso, mas estava sob controle, calmo e paciente, pronto pra briga.
                – Desculpe a demora – fomos surpreendidos pela entrada repentina do presidente e do editor-chefe da revista. – É que estamos muito ocupados. Hoje é dia de fechamento, sabem?
                Ele parecia intensamente bem humorado, o que me deixou ainda mais feroz.
                – Sentimos muito por incomodá-los – Yutaka disse, cumprindo com seu protocolo de líder da banda. – Sabemos que estamos sendo inconvenientes.
                O presidente gesticulou para o moreno, comprando sua cordialidade, mas o editor-chefe estava com seus olhos fixos em mim, com um sorriso sarcástico e arrogante. Aguentei seu olhar até que ele desviou para acender um cigarro, sem se esquecer da piada da qual gargalhava internamente. Era com ele que eu ia jogar.
                – E qual é o motivo da visita de hoje? – o presidente se fez de desentendido e Yutaka e eu nos entreolhamos.
                – Não se façam de desentendidos – Narita se descabelou e eu senti vontade de amordaçá-lo... Aquilo não ia ajudar em nada. – Vamos ter muitos problemas se publicarem aquelas fotos! Acabaram de anunciar o novo álbum e a turnê mundial...
                – É por isso que fizemos a gentileza de avisar com antecedência – o editor-chefe disse, com falsa benevolência. – Este assunto já está encerrado.
                – Tenho certeza de que podemos encontrar uma forma das duas partes se beneficiarem – eu interrompi, antes que Narita-san dissesse mais alguma coisa impensada.
                O editor-chefe me encarou como se eu fosse um adolescente burro de ginásio, pronto para tomar minha primeira detenção.
                – Acho que você entende muito de música e pouco de vender revista, Kouyou-san – ele ironizou.
                – Eu entendo o que sente, Kouyou – o presidente interrompeu, caindo mais na ingenuidade que eu usara do que o outro. – Mas este é o nosso trabalho, você nos entende?
                – Então, o que podemos fazer? – Yutaka mordeu a risada que quase escapou de seus lábios e eu agradeci mentalmente. Não seria convincente se ele gargalhasse agora da minha cara. – Desculpem... É que não estou acostumado com esse tipo de negócio...
                – Choramingar não adianta – zombou o presidente da Examiner.
                – Não aceitaram dinheiro – Narita retrucou.
                – Não mesmo! – o editor-chefe disse, insultado. – O que pensa que somos? – ele queria o furo, não dinheiro, como eu suspeitava.
                – A propósito, de quanto dinheiro estamos falando? – o presidente perguntou e eu tive que me forçar para não revirar os olhos e manter minha máscara. Era duro me fingir de imbecil quando tinha um cara daqueles na sala.
                – Espere! – o outro disse, com firmeza, tomando as rédeas da situação. – Somos todos adultos aqui e está na hora de começarmos a negociar como gente grande...
                – Mas, se não querem o dinheiro, eu não consigo imaginar nada que possamos oferecer em troca... – eu disse, deixando que ele pensasse que tinha domínio sobre mim como tivera com o presidente.
                – Tem certeza? – seu sorriso presunçoso se alargou. – Há rumores de que você anda pegando muita mulher por aí... Don Juan, é?
                – Não passam de boatos! – me apressei a responder, com desespero exagerado na voz.
                – Mas não descobrimos nada de concreto – ele deu risada. – Você é bem escorregadio.
                – Sabe se esconder bem, hein? – o presidente debochou, tentando voltar para a conversa.
                – Que nada – eu dei de ombros, suspirando. – A minha vida é absolutamente normal. Apesar da fama, sou um homem que preza a fidelidade.
                – Então, você tem mesmo uma mulher – o editor-chefe disse com aquela astúcia de um gato que acabou de apanhar um rato com as patas. – E alguém muito importante pra você.
                Yutaka e eu éramos pares idênticos da mesma máscara de surpresa barata. Narita estava verdadeiramente estupefato com o rumo que a conversa seguira. Faltava pouco, bem pouco agora... Eu esperava ser recompensado por minha paciência, sem ter de usar minha própria boca para fazer a proposta que tinha tramado.
                Deixei o silêncio se estender o suficiente para que aquele homem arrogante pudesse saborear sua vitória e se parabenizasse por sua inteligência e perspicácia, seu faro jornalístico que não o tinha abandonado, mesmo depois de anos. Ele tinha dado “xeque” (ou assim pensava) e eu queria envolvê-lo nesse sentimento antes de enforcá-lo com minhas próprias mãos.
                – Kouyou-san – ele quebrou o silêncio, ainda me olhando com superioridade. – Se você contar sua história exclusivamente a nós... Podemos ignorar esta matéria e ninguém nunca disse nada sobre o romance de Takanori-san.
                Ali estava, com todas as letras, minha proposta de negociação. Eles ainda teriam um prato cheio, é claro. Ninguém sabia muito de minha vida, apesar de treze anos de banda, como ele mesmo dissera, Sereny também era mais nova do que eu, apesar de não ser tanto quanto Camila, e tinha vindo para o Japão, nós morávamos e trabalhávamos juntos, ela era assistente pessoal do the GANG e até viajava conosco nas turnês. Éramos muito, muito mais do que eles mereciam, é claro. Mas a questão era proteger Takanori e a irmã dela...
                – Então, como vai ser? – ele disse, jubiloso com seu triunfo. – Você sacrificaria a vida discreta que tem com a mulher que ama pelo bem de seus amigos? – eu senti a tensão da sala àquelas palavras e descaradamente sorri, vitorioso.
                Meu sorriso o pegou de guarda baixa e aquilo foi ainda melhor. Sereny podia ser a Rainha de Gelo, mas tinha me transformado no Rei do Terror.
                – Muito obrigado – eu disse, satisfeito, deixando cair minha máscara. – Negócio fechado.
                Deixei o alívio me inundar quando finalmente saímos de lá. Yutaka gargalhava gostosamente de minha armadilha. Narita ainda ria de nervoso mesmo depois de estarmos a quilômetros de distância da Examiner.
                – Você foi mesmo brilhante, Kouyou! – o baterista me elogiou. – Não sei como foi que você fez aquilo! Foi genial!
                – Não vai ter problema, Kouyou-san? – Narita perguntou, pensativo. – Para você e Sereny-chan?
                – Rá! A ideia foi dela! Vamos ter de nos virar! – mas Yutaka também pareceu preocupado. Eles não conheciam minha Rainha de Gelo tão bem quanto eu...
                Eles me deixaram em casa e eu subi correndo, sabendo que minha namorada devia estar acordada, me esperando, ansiosa. Logo que abri a porta, ela entrou no meu campo de visão.
                – Deu tudo certo – respondi à pergunta silenciosa dela. Eu estava ficando realmente bom em ouvir seus pensamentos.
                – Yokatta – ela se jogou em meus braços e eu a apertei com força contra meu peito.
                – Querem nós dois na fogueira para a próxima semana – eu disse e ela assentiu, aliviada, como se fosse uma boa notícia. – Não pude negar uma foto nossa para ilustrar a matéria e a entrevista, mas só eu vou falar com eles...
                – Eu já esperava por isso – sua expressão estava leve, quase contente. – Não tem problema!
                – Eu me esqueci com quem eu estava falando, não é, Cassandra-sama? Tinha visto nós dois queimando e nem me avisou? – eu brinquei.
                – Você não ia acreditar mesmo – ela deu de ombros, teatralmente. – Pelo menos, queimávamos juntos! É o que importa!
                – E pra salvar o the GANG – eu gargalhei.
                –Também é importante! – ela sorriu, mas tornou a ficar séria logo em seguida. – Vai dizer que eu sou irmã da namorada do Takanori?
                – Vou. Vão entender que tanto nós quanto eles não somos só fogo de palha... Isso pode mantê-los afastados, pelo menos por um tempo...
                – Isso é bom – sua expressão tornou a relaxar. Ficamos um momento em silêncio.
                – Quando foi que nos tornamos tão calculistas? – eu ri, divertido, puxando-a para nosso quarto, exausto. Será que podia ter o dia de folga por ter me sacrificado pela banda?
                – Acho que contaminei você – ela brincou, se jogando em nossa cama.
                – E me transformou no Grande Rei do Terror – disse, me lembrando desse pensamento e ela assentiu, sorridente. – Tinha visto isso também, não tinha, sua bruxinha? Tudo acaba sempre como a Rainha de Gelo enxergou, não é? – Sereny assentiu, com um ar que às vezes me fazia mesmo duvidar se ela não era capaz de ver o futuro.
                – Até o fim.

                


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